Incessante #11 | Bets e a síndrome de Vira-Lata do Brasileiro
Análise sobre como as Bets no Brasil estão influenciando a autoestima do Brasileiro
Edições anteriores
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Incessante #9 | Tem um “Nero” no Brasil?
Aqui está o texto corrigido:
O brasileiro gosta de ser enganado e, como já disse Mark Zuckerberg ao se referir ao Brasil, “as pessoas querem acreditar na mentira que as conforte”. Um exemplo perfeito disso são as apostas online, as chamadas bets, que se tornaram uma febre no país. O jogo mais popular? O famigerado "Tigrinho". Não se engane, não é só um joguinho inofensivo. Ele é parte de um esquema maior, que fatura bilhões e deixa os brasileiros endividados e, muitas vezes, sem saída.
Uma pesquisa recente da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) revelou que 20 milhões de brasileiros estão apostando online. O número impressiona, mas o que choca ainda mais é o fato de que 40% dessas pessoas acreditam que terão lucro fácil e rápido com as apostas. E tem mais: 14% acham que estão fazendo um investimento.
Sim, você leu certo! Apostar virou, para muitos, uma estratégia financeira. A maioria nem imagina o esquema por trás desses aplicativos, e é aqui que as coisas ficam mais sérias.
Bets são projetadas para ter o maior número de perdedores
Essas bets estão longe de ser uma forma justa de ganhar dinheiro. As casas de apostas têm um plano muito claro para 2024: manter os perdedores na plataforma e limitar os vencedores. Se você começar a ganhar de forma consistente, seu limite de apostas será reduzido drasticamente. A lógica é simples: apostou R$110? Ganha no máximo R$100. Ou seja, a casa sempre fica com uma parte, independentemente do valor apostado. Essa estratégia afasta quem ganha e prende quem perde, transformando a promessa de riqueza fácil em um ciclo de prejuízos.
A falta de educação financeira do brasileiro é o gatilho para o vício em apostas
Os números falam por si: em 2023, as bets faturaram mais de R$ 50 bilhões no Brasil. Para você ter uma ideia da magnitude desse valor, isso é 10 vezes mais do que o país arrecada com exportações de carne bovina. A ironia? Se todos os brasileiros que apostam online investissem na bolsa de valores, o Brasil estaria entre os cinco países com o maior número de investidores. Atualmente, apenas 3,8 milhões de brasileiros investem em ações, enquanto nos EUA, 58% das famílias aplicam no mercado financeiro.
As apostas podem afetar a integridade dos esportes
No entanto, a questão vai além do dinheiro perdido. O impacto das apostas online não para nas finanças pessoais; ele atinge o coração do esporte. Jogadores de futebol no Brasil já foram envolvidos em esquemas de manipulação de resultados, e, recentemente, o jogador de basquete Jontay Porter, da NBA, e o astro do baseball Shohei Ohtani foram alvo de investigações nos Estados Unidos por conta de atividades suspeitas ligadas a apostas. Esses casos mostram como o vício em apostas pode envenenar até mesmo o esporte que deveria ser uma fonte de inspiração e diversão.
Influenciadores do mal
Os influenciadores digitais, cientes de que podem cair no ostracismo tão rapidamente quanto viralizam, encontraram nas bets uma maneira de lucrar de forma rápida e significativa. Para perfis com 15 milhões de seguidores, o ganho pode chegar a R$ 1 milhão por mês.
Mesmo após diversas reportagens revelarem que muitas casas de apostas operam ilegalmente no Brasil, com sedes em paraísos fiscais, envolvimento em lavagem de dinheiro e deixando brasileiros endividados, muitos influenciadores seguem promovendo essas plataformas sem qualquer escrúpulo.
Felipe Neto, um dos maiores influenciadores do país, que já chegou a divulgar a Blazer, refletiu sobre a crise gerada pelo vício em apostas e os prejuízos daqueles que sacrificam até o dinheiro da pizza para jogar. Recentemente, ele criticou abertamente os criadores de conteúdo que fazem acordos com essas empresas, destacando os danos que isso causa aos seus seguidores. Em suas redes sociais, Felipe declarou:
"O maior erro que já cometi na minha vida foi ter aceitado divulgar casas de apostas. Um erro que eu não cometerei mais e que eu vou lutar para corrigir"
Casa de ferreiro, espeto de pau.
A advogada e influenciadora Deolane Bezerra, famosa por promover casas de apostas, foi alvo de uma operação policial em 2022, que investigava sua participação em lavagem de dinheiro e envolvimento com o crime organizado. Detida temporariamente, Deolane foi acusada de usar sua influência para ocultar recursos ilegais e ostentar bens de luxo. O Ministério Público bloqueou mais de R$ 3 milhões de suas contas, levantando dúvidas sobre a origem de sua fortuna.
O caso gerou grande repercussão nas redes sociais, dividindo opiniões entre defesa e críticas. A polêmica revelou como a influência digital pode ocultar atividades criminosas, afetando a credibilidade das figuras públicas.
Após ser liberada da Colônia Penal Feminina Bom Pastor, em Recife, no dia 9 de setembro de 2024, Deolane, apesar de estar ciente das condições impostas, desrespeitou as regras de sua prisão domiciliar, que incluíam a proibição de falar com a imprensa e se manifestar nas redes sociais. Desafiando a Justiça, ela interagiu com fãs, deu declarações à imprensa e ainda postou uma carta nas redes sociais.
A influenciadora alegou abuso de autoridade e publicou uma foto no Instagram com a boca tampada e uma legenda sugestiva.
Sua mãe, também detida na mesma operação, continua na prisão. A Operação Integration, iniciada em abril de 2023, visa combater lavagem de dinheiro e jogos ilegais.
A Justiça de Pernambuco revogou o benefício da prisão domiciliar e determinou que Deolane fosse enviada para a Colônia Penal Feminina de Buíque, localizada no Agreste, distante de grandes centros urbanos para evitar influência no processo. Deolane havia conseguido o habeas corpus com base no artigo 318A do Código de Processo Penal, por ser mãe de uma criança de 8 anos.
A síndrome de vira-lata e a atração por apostas
Para compreender a adesão massiva ao universo das apostas, é necessário mergulhar nas complexas camadas da síndrome de vira-lata, um conceito criado por Nelson Rodrigues que descreve o sentimento de inferioridade e desencanto com o próprio país. Essa síndrome não é apenas um reflexo da baixa autoestima nacional, mas também um aspecto crucial na nossa relação com o dinheiro fácil e as promessas ilusórias de enriquecimento rápido.
A síndrome de vira-lata surge em um cenário político e sociocultural caracterizado por décadas de instabilidade e desconfiança nas instituições. Nesse contexto, bilionários como Elon Musk acabam se tornando ídolos no Brasil, onde o Estado frequentemente falha em garantir segurança e oportunidades. A busca por uma fuga da realidade econômica e social, marcada por desigualdades extremas e acesso restrito a oportunidades financeiras, leva muitos a se voltarem para soluções rápidas e fantasiosas.
Freud explica
A atração por apostas pode ser vista como uma manifestação de impulsos inconscientes de controle e compensação. Freud explica que os indivíduos muitas vezes buscam substitutos para preencher lacunas emocionais ou psicológicas. A promessa de riqueza fácil e a excitação das apostas oferecem uma sensação de controle e realização que, na realidade, está ausente na vida cotidiana de muitos brasileiros.
De acordo com um estudo da PwC, 64% dos apostadores usam sua renda principal para jogar, desviando recursos que deveriam ser destinados a necessidades básicas. O impacto psicológico é devastador: 16,7% dos jovens entre 18 e 25 anos que pegam empréstimos consignados para apostar acabam mergulhando em um ciclo de endividamento crescente e desesperador.
Portanto, enquanto o mercado de apostas prospera e as ilusões se perpetuam, a questão permanece: até quando o brasileiro continuará fazendo papel de trouxa, em vez de enfrentar as realidades econômicas e culturais do país? E, antes de apertar o botão da próxima aposta, é essencial refletir: você está jogando, ou está sendo jogado?
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